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"A caridade ensinada melhora os ouvidos. A caridade praticada aprimora os corações". Emmanuel

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Vidência e Clarividência


1. Introdução


Estávamos lendo o livro "No Invisível", de Léon Denis, em nosso grupo mediúnico, quando o texto nos remeteu a uma questão recorrente: afinal, qual é a diferença entre a faculdade dos médiuns videntes e a clarividência?

O presente trabalho é um esforço para responder a esta questão a partir de algumas premissas:

·   Os conceitos se acham ambientados dentro da obra de cada autor, e podem variar leve ou notadamente quando analisado em obras de autores diferentes, e até mesmo em livros diferentes do mesmo autor.

·   No estudo do Espiritismo precisamos conhecer bem a terminologia empregada pelos seus principais contribuintes, a começar de Allan Kardec e dos clássicos, a fim de não confundirmos seu emprego.

·   O termo clarividência não foi criado por Kardec, embora tenha sido redefinido pelo codificador diante dos estudos dos fenômenos espirituais. Isto nos obriga a conhecer os significados que se encontram em teorias não espíritas, especialmente as que antecederam o Espiritismo e influenciaram o codificador.

Iniciamos, portanto com uma análise das definições encontradas nos trabalhos dos principais autores da Metapsíquica e da Parapsicologia. Em um segundo momento, revisamos a obra kardequiana. Posteriormente, analisamos um livro de Gabriel Delanne e terminamos a revisão com a análise de dois livros do autor espiritual, André Luiz.

Após concluirmos nosso trabalho, estivemos lendo os comentaristas contemporâneos e nos surpreendemos com as análises de Hermínio Miranda em seu "Diversidade dos Carismas", que não comentamos aqui mas recomendamos ao leitor que se interesse por alguns outros ângulos da questão e no estudo de mais alguns outros escritores que trataram do tema.


2. Estudo da Clarividência na Metapsíquica e na Parapsicologia: Em Busca de uma Trajetória Conceitual para o Termo.


Uma questão aparentemente recorrente nas tentativas acadêmicas de compreender os fenômenos descritos pelo Magnetismo francês e pelo Espiritismo tem sido se eles realmente o são como são descritos e se não poderiam ser explicado por qualquer causa física ou orgânica. Esta "teimosia reducionista" vem impedindo o avanço das pesquisas fartamente documentadas do século XIX.

Este é um dos motivos que levou à discussão metapsíquica de o que realmente seria a clarividência. A chamada transposição dos sentidos não seria na verdade um fenômeno telepático? Acreditando-se ler com os dedos, não estaria o sensitivo registrando os pensamentos das pessoas e creditando-o ao seu próprio corpo?

Richet entende como sinônimos os termos clarividência, lucidez sonambúlica, segunda vista e sugestão mental (p. 25).Todos estariam se referindo a um "sexto sentido", uma sensibilidade distinta da sensibilidade dos cinco sentidos, por este motivo denominada criptestesia e que por esta razão permitiria aos sensitivos obter conhecimentos por uma via diferente da dos sentidos e do raciocínio, metagnomia, portanto.

Na classificação que Richet desenvolveu para os fenômenos próprios dos possuidores deste sexto sentido, o termo clarividência não formou categoria de análise, embora Richet houvesse apresentado um grande número de experiências de percepções não telepáticas sem o uso dos sentidos. No livro referido, um tema recorrente do criador da metapsíquica é discutir as conclusões do livro de Myers, Podemore e Gurney "The Phantasms of the Living" onde se pretende reduzir as explicações aos fenômenos inabituais à telepatia. Richet apresenta inúmeros experimentos onde o experimentador desconhece o conteúdo de objetos e cartas percebidos por um sensitivo. Um termo que ele parece preferir à clarividência é hiperestesia.

Os trabalhos de Richet e da Metapsíquica parecem ter influenciado a parapsicologia americana de Rhine, no que diz respeito à classificação dos fenômenos e à necessidade da experimentação. Assim como Richet estabeleceu uma classificação geral para os fenômenos inabituais, Rhine denominou os chamados fenômenos parapsicológicos com um termo geral identificado como Y (psi), distinguindo-os a seguir. Na Parapsicologia a clarividência volta a ter um lugar como "faculdade de ver sem os olhos" e distinta de outras faculdades como a telepatia e a precognição.

Um autor bastante lido pelos metapsiquistas brasileiros, Robert Amadou, considera a clarividência como um termo empregado pelos antigos magnetizadores. Ele a define a seguir como:


"conhecimento de um evento objetivo, aparentemente independente da atividade sensorial ou racional. Assim se opõe a clarividência, por distinção arbitrária e discutida, porém, cômoda, à telepatia. Pode-se definir objetivamente a clarividência como uma coincidência inexplicável pelo acaso, uma percepção sensorial ou um raciocínio consciente ou inconsciente, entre o estado psicofisiológico do indivíduo ou seu comportamento e um acontecimento objetivo. Quando a clarividência se exerce supostamente sobre acontecimentos subjetivos, chama-se, então, leitura do pensamento." (1966, p. 380)


A nosso ver Amadou mais confunde que esclarece.

Em uma publicação mais recente o pesquisador Joseph Rush escreveu um artigo sobre a história dos estudos parapsicológicos e reafirmou o sentido original da clarividência, redigido por Grasset, como a faculdade de ver através de corpos opacos. Ele se refere a um trabalho de Richet, datado de 1888, onde ele conduz um experimento bem sucedido de cartas lacradas em envelopes (1986, p. 26) e a define como a "percepção não sensorial de informação normalmente não conhecida por ninguém".

O pesquisador brasileiro Hernani Guimarães Andrade considera a clarividência como:


"capacidade de perceber visualmente, sem usar o sentido da vista, cenas, imagens, seres, tanto visíveis quanto invisíveis para as pessoas comuns; posteriormente, este vocábulo, na Parapsicologia, adquiriu um significado mais amplo, abrangendo toda a gama de fenômenos compreendida pela criptestesia geral na nomenclatura de Richet" (p. 30) Envolveria portanto, fenômenos de telepatia, clariaudiência, transposição dos sentidos e premonição.


O que se conclui desta rápida incursão nas ciências dos fenômenos psíquicos não habituais é que mesmo nos dias de hoje o termo clarividência guarda uma dupla acepção, adotada de forma diferenciada pelos diferentes autores e que deve ser entendida antes de iniciar-se a leitura de uma obra do ramo. Alguns a empregam como sinônimo de faculdade paranormal, em um sentido mais amplo. Outros lhe preservam o sentido mais específico de "visão sem os olhos", ressalvadas as diferenças entre telepatia, precognição e memória extracerebral. Como a mediunidade praticamente saiu da "agenda" de pesquisa dos principais parapsicólogos, a parapsicologia não se pronuncia (senão ocasionalmente e de forma redutiva) sobre os fenômenos de vidência descritos pelo Espiritismo, não lhe permitindo distinção ou paralelo.


3. Médiuns Videntes, Sonambúlicos e Clarividência na Obra de Allan Kardec.


Definição e Fenômenos de Clarividência


O termo clarividência surge pela primeira vez com seu sentido próprio² na parte de "O Livro dos Espíritos" que trata da emancipação da alma. Na questão 402, Kardec trata de uma "espécie de clarividência" que acontece durante os sonhos, onde a alma tem a faculdade de perceber eventos que acontecem em outros lugares. Neste ponto, portanto, ele emprega o termo como uma faculdade de ver à distância sem o emprego dos olhos. Os sonâmbulos seriam capazes deste fenômeno devido à faculdade de afastamento da alma de seu respectivo corpo seguida da possibilidade de locomoção da mesma. (q. 432)

Pouco depois, na questão 428, ele indaga aos espíritos sobre a "clarividência sonambúlica". Ele certamente se refere à faculdade já bastante descrita na literatura que trata do sonambulismo magnético, que, na questão 426, os espíritos consideraram equivalente ao sonambulismo natural, com a diferença de ter sido provocado. Os espíritos lhe respondem que as duas faculdades possuem uma mesma causa: a percepção visual é realizada diretamente pela alma do clarividente. Logo a seguir, Kardec pergunta sobre os outros fenômenos da clarividência sonambúlica (q. 429) como a visão através dos corpos opacos e a transposição dos sentidos. Os espíritos reafirmam que os clarividentes vêem afastados de seus corpos, e que a impressão que afirmam de estarem "vendo" por alguma parte do corpo, reside na crença que possuem que precisam deste para perceberem os objetos. A existência da faculdade sonambúlica não assegura a veracidade de todas as informações obtidas neste estado, com o que concordam os espíritos (q. 430).

Dando continuidade à linha de indagações sobre o sonambulismo, Kardec pergunta de onde se originam os conhecimentos apresentados pelos sonâmbulos que eles não possuem em estado de vigília e que não se explicam diretamente pela percepção sonambúlica. Os espíritos argumentam que em estado de emancipação, os sonâmbulos podem acessar conhecimentos que lhes são próprios, originários de existências anteriores, ou de outros espíritos com quem comunicam-se (q. 431). Faz sentido, então, questionar se todos os sonâmbulos são médiuns sonambúlicos, distinção esta que Kardec aprofundará em "O Livro dos Médiuns". Ainda em "O Livro dos Espíritos", afirma-se que a maioria dos sonâmbulos vê os espíritos, mas que muitos deles podem crer que se trate de pessoas encarnadas, por lhes ser estranha a idéia de seres espirituais.


Êxtase e Clarividência


Kardec distingue os fenômenos sonambúlicos do êxtase e da dupla vista. O êxtase seria um sonambulismo profundo. Neste estado ocorreria o contato com espíritos etéreos, o que causa as impressões geralmente registradas pelos santos. Na questão 455 encontra-se a seguinte descrição:


"Cerca-o então resplendente e desusado fulgor, inebriam-no harmonias que na Terra se desconhecem, indefinível bem-estar o invade: goza antecipadamente da beatitude celeste e bem se pode dizer que pousa um pé no limiar da eternidade. No estado de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase completo. Fica-lhe somente, pode-se dizer, a vida orgânica. Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente por um fio, que mais um pequenino esforço quebraria sem remissão. Nesse estado, desaparecem todos os pensamentos terrestres, cedendo lugar ao sentimento apurado, que constitui a essência mesma do nosso ser imaterial "


Kardec, entretanto, admite que muitas vezes o extático é vítima da sua própria excitação, fazendo descrições pouco exatas e pouco verossímeis, podendo chegar a ser dominados por espíritos inferiores que se aproveitam da sua condição.

Êxtase, portanto, é um estado sonambúlico profundo caracterizado pela perda ou extrema redução da consciência dos eventos que acontecem ao redor do extático, alterações emocionais e um certo sentimento de "sagrado", onde o mecanismo básico é a emancipação da alma.


Lucidez e Clarividência


No livro "Definições Espíritas"³, Kardec define a clarividência como a "faculdade de ver sem o concurso da visão" e logo depois como "percepção sem o concurso dos sentidos". Posteriormente Kardec distingue clarividência de lucidez, da seguinte forma:

"A palavra clarividência é mais genérica; lucidez se diz mais particularmente da clarividência sonambúlica." (KARDEC, 1997. p. 85)


Dupla Vista e Clarividência


A dupla vista, ao contrário, seria a faculdade de perceber pelos olhos da alma, sem que para tal, seja necessário o estado sonambúlico, em outros termos, sem que o percipiente entre em transe profundo.

A dupla vista seria uma faculdade permanente das pessoas que a possuem, embora não estejam continuamente em exercício da mesma. (q. 448) É uma faculdade que se manifesta de forma espontânea, embora a vontade de quem a possui tenha um papel em seu mecanismo e possa desenvolver-se com o exercício. Da mesma forma que a mediunidade, há organismos que são refratários a esta faculdade, e a hereditariedade parece desempenhar algum papel na transmissão da mesma. Kardec fez uma descrição das alterações psicofísicas que o portador da dupla vista ou segunda vista costuma apresentar (q. 455):


"No momento em que o fenômeno da segunda vista se produz, o estado físico do indivíduo se acha sensivelmente modificado. O olhar apresenta alguma coisa de vago. Ele olha sem ver. Toda a sua fisionomia reflete uma como exaltação. Nota-se que os órgãos visuais se conservam alheios ao fenômeno, pelo fato de a visão persistir, mau grado à oclusão dos olhos. Aos dotados desta faculdade ela se afigura tão natural, como a que todos temos de ver. Consideram-na um atributo de seus próprios seres, que em nada lhes parecem excepcionais. De ordinário, o esquecimento se segue a essa lucidez passageira, cuja lembrança, tornando-se cada vez mais vaga, acaba por desaparecer, como a de um sonho. O poder da vista dupla varia, indo desde a sensação confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes ou ausentes."


Kardec, em suas "Obras Póstumas" (1978, p. 101) faz uma afirmação preciosa para a distinção entre dupla vista e clarividência, que consideramos por bem transcrever:


"No sonamabulismo, a clarividência deriva da mesma causa (4); a diferença está em que, nesse estado, ela é isolada, independe da vista corporal, ao passo que é simultânea nos que dessa faculdade são dotados em estado de vigília."


É importante frisar que em Kardec o sonambulismo natural, o sonambulismo provocado ou magnético, o êxtase e a dupla vista são faculdades que possuem o mesmo mecanismo: a emancipação da alma. A clarividência seria um fenômeno passível de ocorrer nos dois primeiros estados. Embora a clarividência seja um fenômeno predominantemente anímico, há a possibilidade de ocorrerem percepções do mundo dos espíritos, ou seja, de sua associação com faculdades mediúnicas. Para evitar confusão, consideramos adequado o emprego do termo clarividência mediúnica. 

Médiuns Videntes e Dupla Vista

Em "O livro dos médiuns" (parágrafo 167), Kardec considera como médiuns videntes as pessoas dotadas da capacidade de ver os espíritos. Nesta categoria temos os médiuns capazes de ver os espíritos em estado de vigília e os que apenas a possuem em estado sonambúlico ou próximo deste. A faculdade não é permanente, estando quase sempre associada a uma crise passageira. Podemos substituir o termo crise por transe, entendendo que por crise passageira o autor se refere aos chamados estados sub-hipnoidais ou de transe superficial.

As pessoas dotadas de dupla-vista podem ser consideradas médiuns videntes, as que percebem os espíritos durante os sonhos, não. As aparições acidentais e espontâneas não configuram a existência desta faculdade, que permite ver qualquer espírito que se apresente. Kardec afirma que este tipo de médiuns julga ver os espíritos com os olhos, mas tanto os vêem com olhos fechados quanto com olhos abertos.

A faculdade pode ser desenvolvida, mas Kardec recomenda que não se provoque este tipo de faculdade, para que o suposto médium não se torne joguete da sua imaginação. Ele considera prudente não dar crédito senão ante provas positivas, como " a exatidão no retratar Espíritos que o médium jamais conheceu quando encamados". Ao advogar a possibilidade de desenvolvimento da faculdade, entendemos que Kardec se refere às pessoas já dotadas da mesma, e não da errônea idéia de desenvolvimento da mediunidade em quem quer que seja. 

Médiuns Sonambúlicos e Clarividência

Curiosamente, Allan Kardec distingue em duas classes de médiuns os médiuns videntes e os médiuns sonambúlicos. Ele justifica esta classificação dizendo que sonambulismo e mediunidade são "duas ordens de fenômenos que freqüentemente se acham reunidos". (parágrafo 172)

...o Espírito que se comunica com um médium comum também o pode fazer com um sonâmbulo; dá-se mesmo que, muitas vezes, o estado de emancipação da alma facilita essa comunicação. Muitos sonâmbulos vêem perfeitamente os Espíritos e os descrevem com tanta precisão, como os médiuns videntes.

Conclusões: Vidência e Clarividência em Allan Kardec

Como vemos, Kardec situa em seu plano analítico os fenômenos anímicos e mediúnicos, de forma obviamente distinta dos pesquisadores da Metapsíquica e da Parapsicologia.

Com as informações até então encontradas, concluímos que a distinção entre vidência e clarividência na obra de Allan Kardec pode ser explicada a partir do esquema abaixo:


Estado de Consciência
Transe Profundo
(estado sonambúlico e de êxtase, em terminologia kardequiana)
Transe Superficial
(crise passageira, em terminologia kardequiana)
-
Fenômenos Anímicos
Clarividência sonambúlica ou lucidez
Vidência mediúnica (6)
Fenômenos Mediúnicos
Clarividência mediúnica (5)
Vidência mediúnica (6)
Mecanismo Geral
Emancipação da alma
Emancipação da alma


Concluímos, portanto, que a chave da distinção entre a clarividência e a vidência mediúnicas, encontrada na obra kardequiana, reside na extensão do transe mediúnico.

O leitor da obra de Kardec deve cuidar-se também para não confundir clarividência com mediunidade, uma vez que ele emprega o termo em sentido amplo, podendo referir-se a fenômenos anímicos como a visão à distância sem o emprego dos olhos, visão através de corpos opacos e "transposição de sentidos" (que seria uma impressão do sonâmbulo, e não uma descrição do mecanismo do fenômeno, que é, em última ordem, a emancipação da alma). A relação entre clarividência e mediunidade fica bem ilustrada com o auxílio da figura abaixo:


 
  4. A Clarividência e os Médiuns Videntes no Livro "O Espiritismo Perante a Ciência" de Gabriel Delanne


Delanne trata do percurso de fenômenos e idéias no período que compreende o magnetismo e o hipnotismo na segunda parte do livro "O Espiritismo perante a ciência".

O termo clarividência, aqui, é empregado como sinônimo de dupla-vista. Delanne não mantém a distinção de Kardec, empregando-os indistintamente.

É bastante esclarecedora a sua digressão histórica. Ele analisa os fenômenos encontrados na literatura do chamado sonambulismo natural, sonambulismo magnético e hipnotismo. Deter-nos-emos nos fenômenos de clarividência.

Ele entende por sonambulismo natural como um caso particular do sono onde "o indivíduo caminha dormindo e procede como se estivesse acordado". (p. 91) Duas características são arroladas para distinguir-se das movimentações que podem acompanhar os sonhos: "o andar durante o sono" e "a perda da lembrança do que se passou, ao acordar". (p. 92) Neste estado de consciência, encontram-se muitos relatos de pessoas que prosseguem suas atividades intelectuais. Músicos registram composições, filósofos redigem textos, sacerdotes escrevem sermões.

A questão da clarividência está associada ao sonambulismo natural em função das peculiaridades descritas com relação aos casos de sonâmbulos. Delanne faz a transcrição de diversos casos da literatura médica da época, onde se vêem uma sonâmbula que sobe no telhado de sua casa de olhos fechados sem acidentar-se, um farmacêutico sonâmbulo que faz formulações químicas durante o sono e que consegue "ler" de olhos fechados uma receita absurda colocada por um médico para testar suas faculdades sonambúlicas e de um sacerdote sonâmbulo que escrevia e lia seus sermões, corrigindo-os durante o ato sonambúlico, mesmo tendo sido colocado um anteparo entre seus olhos fechados e o papel onde escrevia.

Nestes exemplos, a clarividência é entendida como uma forma de visão sem o uso dos olhos.

Por sonambulismo magnético, o autor entende como a provocação do estado sonambúlico através do emprego do magnetismo animal. (p. 103) O estado sonambúlico é caracterizado pela insensibilidade da pele, do sentido do olfato (a reação ao amoníaco, por exemplo), e da reação aos estímulos sonoros ambientes e mesmo uma insensibilidade a estímulos dolorosos.

Interessa-nos a descrição feita por Delanne dos fenômenos perceptivos dos sonâmbulos artificiais. Da mesma forma que nos casos de sonambulismo natural. Há relatos de casos de transposição dos sentidos e de dupla-vista, onde uma sonâmbula de Deleuze lê oito linhas com os olhos vendados (p. 107). Há casos relatados de visão nas costas, audição pela palma das mãos, leitura pela extremidade dos dedos, leitura de cartas à distância, entre outros. Em todos os casos, Delanne busca elementos para demonstrar a tese da emancipação da alma de Kardec como a que melhor explicaria estes fenômenos.

Finalmente o pesquisador francês trata do hipnotismo, que a seu ver nada mais é que uma nova teoria para explicar os fenômenos do sonambulismo magnético. Revendo os estudos de Braid, ele relata que os hipnotizados não doentes podem, com os olhos fechados, "desenhar, descobrir objetos ocultos, designar os indivíduos a quem estes objetos pertencem, ouvir uma conversa, em voz baixa, num aposento vizinho, enfim, predizer o futuro". (p. 126) Vemos aqui também a existência de fenômenos de clarividência. Assim como Allan Kardec, seu discípulo mantém o emprego do termo clarividência para fenômenos não-mediúnicos.

Na mesma obra citada, Gabriel Delanne trata da mediunidade de vidência, que conjuntamente com a mediunidade de audiência considera como mediunidades sensoriais.

Para explicar os fenômenos que havia analisado, ele considera dois tipos de mecanismos de vidência: um primeiro onde o médium veria com os olhos e um segundo em que o médium veria em estado de desprendimento (médium sonambúlico, portanto, na descrição kardequiana).

Em um primeiro momento, Delanne distingue a mediunidade vidente das ilusões de ótica e das alucinações. A mediunidade vidente se distingue da alucinações à medida que caracteriza-se como a percepção de pessoas que viveram, dão mostras da sua identidade e apresentam conhecimentos verificáveis, desconhecidos anteriormente pelos médiuns. Outro elemento importante de distinção entre os fenômenos que poderíamos adicionar ao seu trabalho seria o caráter patológico da personalidade das pessoas que alucinam sem o uso de drogas ou as alterações fisiológicas causadas por doenças orgânicas, como as febres. Em síntese, os médiuns videntes teriam "supostas alucinações" sem que as mesmas transtornassem sua saúde mental.

Na mediunidade sonambúlica, o vidente entraria em um certo torpor, afastando-se do corpo sem, no entanto, adormecer. Ele passa a relatar as percepções que tem do ambiente físico e espiritual ao alcance da sensibilidade do seu perispírito, e que são transmitidos ao seu sistema nervoso.

A visão dos espíritos "com os olhos", no pensamento de Delanne, seria distinta das materializações. Seu suporte empírico parece vir dos inúmeros casos isolados de aparições espontâneas, como as "visitas no momento da morte" para pessoas que aparentemente nunca mostraram qualquer dote mediúnico, que Flammarion tanto descreveu em seus trabalhos. No caso das materializações, todos os presentes percebem pelo órgão da visão os espíritos, que se servem do "fluido nervoso" do médium de efeitos físicos para "condensar-se". No caso da vidência com os olhos, Delanne descreve o seguinte mecanismo que reproduzo a seguir:


"...Se um Espírito, porém, quer manifestar sua presença, entra em relação fluídica com o encarnado, assim como vimos precedentemente, e, estabelecida a comunicação, acumula pelo magnetismo espiritual, no nervo ótico, uma quantidade de fluido nervoso maior que de ordinário; certas fibras se sensibilizam e podem, desde logo, entrar em vibração correspondente à do invólucro do Espírito. Desde que se produz esse fenômeno, o ser, assim modificado, vê o Espírito e o verá enquanto a ação continuar." (p. 370-371)


Continuando sua explicação, Delanne afirma que com a repetição do fenômeno as fibras óticas se adaptariam aos poucos às vibrações dos espíritos, tornando-se cada vez mais apto à sua percepção. Desta forma, faria sentido falar em um novo sentido. (p. 371)

Neste fenômeno os espíritos atuariam em suas vibrações da mesma forma que nas experiências da Ótica onde os raios ultravioleta tornam-se visíveis ao serem dirigidos a um vidro que contém silicato de urânio.

Embora esta tese se constitua em uma explicação plausível para os fenômenos de aparições espontâneas, ela nos deve ainda alguns esclarecimentos. Se os espíritos podem atuar diretamente no nervo ótico das pessoas em geral, alterando suas vibrações, porque a faculdade de percebê-los visualmente não é universal? Caso haja alguma singularidade das fibras óticas de algumas pessoas, que seriam então médiuns videntes "com os olhos", porque as alterações anatômicas ainda não foram constatadas pela medicina contemporânea? Que estruturas anatômicas agem como sensores para as ondas espirituais? Se não há alterações anatômicas, que alterações funcionais distinguem médiuns videntes de pessoas sem esta faculdade? Enquanto tais respostas não são respondidas satisfatoriamente, prefiro crer que a faculdade de vidência espiritual tem por elemento sensor o perispírito do médium.


5. Vidência e Clarividência na Obra de André Luiz


Encontramos referências sobre a mediunidade de vidência e a clarividência em dois livros de André Luiz, psicografados por Francisco Cândido Xavier.

Em "Mecanismos da mediunidade", são apenas três parágrafos justapostos ao final do capítulo que trata dos efeitos intelectuais. Neles André Luiz afirma que os fenômenos de clarividência e clariaudiência têm por mecanismo a transmissão de quadros e imagens do espírito comunicante para a mente do médium, "valendo-se dos centros autônomos da visão profunda, localizados no diencéfalo, ou lhe comunica vozes e sons, utilizando-se da cóclea" (p. 135).

Este fenômeno, como qualquer outro fenômeno mediúnico, seria tanto mais nítido quanto maior a sintonia mental entre espírito comunicante e médium.

Encontramos algumas informações adicionais no livro intitulado "Nos domínios da mediunidade". O instrutor Áulus afirma que os médiuns acreditam ver e ouvir, mas esta impressão é apenas "derivada do hábito", já que os órgãos dos sentidos não são os sensores do plano espiritual.

Decreve-se a diferença de percepção de médiuns dotados da mesma faculdade e a interveniência dos fenômenos psicológicos de um dos médiuns sobre a capacidade de registrar as idéias do espírito comunicante. No enredo, o médium Castro, embora veja o espírito Clementino, não lhe registra as palavras porque deseja ver a mãe, já desencarnada.

Um outro evento importante diz respeito à dificuldade do médium distinguir cenários do plano espiritual de imagens mentais do espírito comunicante. No enredo do texto, André Luiz se espanta ao ouvir o relato da médium Celina de ter visto um riacho e a visão de Eugênia de um edifício de crianças, que ele não era capaz de perceber. Áulus lhe explica que as médiuns tomavam por imagens o que em verdade eram pensamentos sugeridos por Clementino.

Após rever os capítulos deste último livro que tratam de mediunidade sonambúlica e desdobramento, não encontramos qualquer explicação por parte do autor espiritual ou dos seus instrutores voltada à clarividência.

Dada a exiguidade de informações, nossas conclusões apontam para uma pequena distinção entre os conceitos de André Luiz e de Allan Kardec. Não encontramos também em "Mecanismos da Mediunidade" uma distinção clara entre as duas faculdades que estamos estudando neste artigo. André Luiz não parece distinguir clarividência de vidência, focalizando suas análises no que há de comum entre estas duas faculdades.

Talvez, por esta razão, Martins Peralva tenha focalizado seu conceito de clarividência, após a leitura deste autor espiritual, na acuidade da percepção, quando diz que a clarividência é "a faculdade pela qual a pessoa vê os Espíritos com grande clareza" e a clariaudiência é "a faculdade pela qual a pessoa ouve os Espíritos com nitidez".

6. Concluindo


Tendo revisto três importantes autores espíritas sobre a questão da distinção entre vidência e clarividência, não encontramos divergências importantes entre eles, embora acreditemos que eles empreguem estas palavras de modo diferente.

Nossa opinião é de que é dispensável a polêmica calcada em significado de palavras e totalmente desnecessário definir um sentido universal para elas.

O estudioso do Espiritismo deve, entretanto, ser capaz de distinguir estas nuances de cada um dos autores a fim de compreender melhor o que desejam expressar, quando derivam suas considerações, a partir de sua terminologia e evitar confusão das suas afirmações.

7. Fontes Bibliográficas

ANDRADE, Hernani G. Parapsicologia experimental. São Paulo: Pensamento, s.n. 
AMADOU, Robert. Parapsicologia. São Paulo: Mestre Jou, 1966. ANDRÉ LUIZ. Mecanismos da mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1977. [Psicografado por XAVIER, Francisco Cândido]
______ Nos domínios da mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1979. . [Psicografado por XAVIER, Francisco Cândido]
DELANNE, Gabriel. O espiritismo perante a ciência. Rio de Janeiro: FEB, 1993.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. [online] Rio de Janeiro: FEB, edição eletrônica.
______ O livro dos médiuns. [online] Rio de Janeiro: FEB, edição eletrônica
______ Definições espíritas. Niterói - R.J.: Lachâtre, 1997.
______ Obras póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1978. ["Causa e natureza da clarividência sonambúlica" e "A segunda vista"]
PERALVA, Martins. Clarividência e clariaudiência. In: Estudando a mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1981.
PIRES, J. Herculano. Parapsicologia hoje e amanhã. São Paulo: Edicel, 1987.
RUSH, Joseph. Parapsychology: a historical perspective. In: EDGE, Hoyt et al. Foundations of parapsychology. Boston: Routledge & Kegan Paul, 1986.
SANTOS, Jorge Andréa.
Nos alicerces do inconsciente. Rio de Janeiro: Fon Fon e Seleta, 1980

- Capítulo completo do livro “O Transe Mediúnico e Outros Estudos”, de 1999. Uma versão simplificada foi enviada para publicação no Boletim GEAE




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